Pensamento do Blog

Comigo a natureza enlouqueceu; sou todo emoção" Adaptado de Maiakoviski

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Vinícius de Moraes - O Poeta do Amor

                                                                        
                                            Apresentação
Vinícius de Moraes é o poeta que fala de Amor em seus versos famosos e nas letras de suas músicas eternas. Vinícius marca a música popular brasileira por suas letras em forma de poesia, e poesia quase sempre falando de Amor.
Aqui, neste O Poeta do Amor, um pouco de sua extensa obra poética e musical, um presente raro de um artista ímpar no estilo e na vida dedicada às peripécias do Amor. Foi amante de várias mulheres e, principalmente da vida, e vida repleta de amor por tudo que torna o homem um ser em harmonia com o universo, do povo, dos amigos, que os teve em grande número, com toda intensidade e permanência. Esta obra quer homenagear o grande e eterno poeta do Amor e presentear a todos(as) os(as) apaixonados(as) pelo Amor!

"... oh mulher, espécie adorável da poesia."

Pequena biografia de um cidadão amante
Vinícius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 19 de outubro de 1913. Devido a uma brincadeira de Manuel Bandeira, num de seus poemas de circunstância, muitos achavam que seu nome completo fosse Marcus Vinícius da Cruz de Melo Morais, o que não é verdade. Seu nome verdadeiro é apenas Vinícius de Moraes, nome pequeno para um grande artista. Formou-se em Direito em 1933, ano em que lançou seu primeiro livro de poemas. Nessa época já era amigo dos poetas Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, grandes nomes do Modernismo brasileiro e da Semana de Arte Moderna de 1922, marco da nova literatura brasileira do século XX. Em 1938 foi para Oxford, na Inglaterra, com uma bolsa de estudos em língua e literatura inglesas. De volta ao Brasil, trabalhou em jornais como crítico de cinema até 1943, quando ingressa na carreira diplomática da qual foi afastado pelo governo militar em 1968. Trabalhou em Los Angeles, Paris e Montevidéu como diplomata do Brasil. Fez sucesso na música até o final da década de 1970, fazendo shows no Brasil e no exterior. Morre em 9 de julho de 1980, no Rio deJaneiro.

Características do Autor
Formado no rigor do verso neo-romântico, amigo inseparável do soneto e das formas clássicas, pelo lado livresco, coisa rara nos poetas modernos. Vinícius inicia-se na música muito cedo, mas só se firma na década de 1950 quando dá início à Bossa Nova.  Conforme seu próprio depoimento: "Sou fundamentalmente um poeta e músico desde pequeno, mas o que mais me interessa no mundo é a mulher. Depois da mulher, o povo. E depois os amigos, que são muitos, embora os verdadeirtos sejam poucos."
Depoimento  fundamental para a identificação do poeta, assim afirma Carlos Drummond de Andrade:
"Vinícius realizou a figura mais exata de poesia que já vi na minha vida. Poeta em livro, música e poeta na vida. Três formas de poesia. Foi aquele que conseguiu chegar mais perto do povo, a canção que toca todo mundo, seja classe média ou povão. Pessoalmente tenho por ele afeto de irmão."
Outro depoimento sobre o autor, encerra, se houve, alguma dúvida sobre a qualidade da obra de Vinícius:
"Vinícius foi o último grande poeta romântico brasileiro. Ele pertence à linhagem de um Castro Alves e de um Fagundes Varela. Romântico tanto na junção da poesia e da música, transformamndo-se em cantor popular, quanto no tipo de imagens que privilegiava. Inclusive, quando encarna a figura do poeta sedutor e andarilho, sempre em busca de um ideal(feminino e social) totalmente imaginário." Afonson Romano de Sant'Ana
Suas poesias, praticamento nasciam músicas, pois quando teve de musicá-las não teve nenhuma dificuldade para que o texto se adaptasse à melodia, é o que se percebe quando ouvimos suas músicas em forma de poesia, como  Serenata do Amor, e tantas outras.

Características da Obra 
A obra poética de Vinícius de Moraes é dividida habitualmente em duas fases: uma de sentido místico e lírico, e outra mais sensual e de linguagem mais simples, que se mostra também nas composições populares. Seu domínio da linguagem culta foi decisivo para conferir qualidade literária à música popular brasileira, enriquecida com suas letras.
Um dos grandes representantes do lirismo amoroso dos tempos atuais, Vinícius conseguiu, como poucos, exprimir  com realismo característico a relação de amor entre o homem e a mulher. Após a primeira fase, mais mística e de individualismo nostálgico, assumiu por completo o papel de Poeta do Amor, da matéria, do mundo e da mulher, em versos altamente musicais. Especialmente apreciados, os sonetos de Vinícius surpreendem pela capacidade de autalizar a lírica de Camões. O Soneto de Fidelidade, figura entre os melhores momentos do autor nessa forma. Não deixa, também, em sua obra, de manifestar sua preocupação política e social com seu tempo, o que se revela, principalmente em seu poema O Operário em Construção, obra imensa em versos rimados e de extrema qualidade.
Na música popular manifesta-se ainda novo, na década de 1930, mas  firma-se com sucesso no advento da Bossa Nova, a partir da década de 1950, ao lado de nomes importantes como Tom Jobim e João Gilberto. Produz também peças para o teatro como Orfeu da Conceição, que em sua versão para o cinema ganha o Oscar de melhor filme estrangeiro para a França, pois os empresários brasileiros não quiseram patrocinar o filme. Seu maior sucesso musical, em parceria com Tom Jobim, é Garota de Ipatema, que até hoje é a canção que mais popularizou o Brasil no exterior, sendo gravada por grandes cantores como Frank Sinatra.

Momento Histórico
Vinícius de Moraes viveu em uma época de grandes transformações sociais, políticas e culturais. Começou sua carreira literária e musical logo após o Movimento Modernista de 1922, tendo sido amigo de modernistas importantes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade entre outros.
Na política nacional, viveu as transformações da República Velha(1889-1930), cujo domínio do Coronelismo estava sendo questionado pelo Movimento Tenentista, ideologia burguesa, mas que atendia algumas reivindicações populares como a democratização do país. 
Passou por momentos decisivos na história política do século XX como a ditadura de Getúlio Vargas, a Intentona Comunista, a Ação Integralista, a Segunda Guerra Mundial, a ascensão do regime militar e o movimento de redemocratização do Brasil pós-1964. Esses momentos tiveram profundas influências em sua obra artística.

Um pouco de poesia 
Poética II

Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.

E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura. 

Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo:
(Um templo sem Deus)

Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
- Entrai, irmãos meus!

Soneto do maior amor 

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida malaventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel a sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade a cada instante.

Amo-te, como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Poética I

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando. 

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o presentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Soneto da rosa

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude.

Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Soneto da mulher ao sol

Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal, do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...


Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor(que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

O grande amor

Haja o que houver
Há sempre um homem para uma mulher
E há de sempre haver
Para esquecer um falso amor
E uma vontade de morrer.

Seja como for
Há de vencer o grande amor
Que há de ser no coração 
Como um perdão
Para quem chorou.

Soneto de despedida

Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.

Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.

Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio.

Ternura  

Eu te peço perdão
Por te amar de repente
Embora o meu amor seja
Uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei
À sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca
O perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos
Eternamente fugindo
Trago a doçura dos que
Aceitam melancolicamente
E posso te dizer que
O grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
Nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
Dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
Um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses
Quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
Encontrem sem fatalidade
O olhar extático da aurora.

O  Operário em Construção

E o diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
-  E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lc 4, 5-8

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
Da sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção. 

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah! homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- exercer a profissão -
o operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que a sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão,
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbido cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas coisas se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia

E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão.
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! disse o operário
Não podes dar-me o que é meu..

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Balada do mangue
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Loelia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilinguidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé,
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes,
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabras, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais,maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!

 

Um "dedo" de Prosa

Meus secretos amigos

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências...
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar!
Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construi e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos morrerem, eu desabo!
Por isso é que sem que eles saibam, eu oro pela vida deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus verdadeiros amigos...

A gente não faz amigos, reconhece-os!!!





Para viver um grande amor
 

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, pôxa! É de colher... - não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor,
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois que não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas um bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinha, molhos, strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo, mas também  com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque(com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um grande amor.

Um pouco de música... e poesia

Minha namorada
Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada 
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais poder ser

Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento

Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê

Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer.

Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.


Garota de Ipanema

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

Tarde em Itapuã

Um velho calção de banho
O dia pra vadiar
Um mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar
Depois da praça Caymmi
Sentir preguiça no corpo
E numa esteira de vime
Beber uma água de coco

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Enquanto o mar inaugura
Um verde novinho em folha
Argumentar com doçura
Com uma cachaça de rolha
E com o olhar esquecido
No encontro de céu e mar
Bem devagar ir sentindo
A terra toda a rodar

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
 Falar de amor em Itapuã


Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz
E o diz-que-diz que macio
Que brota dos coqueirais
E nos espaços serenos
Sem ontem nem amanhã
Dormir nos braços morenos
Da lua de Itapuã

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Eu sei que vou te amar 

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda minha vida.

Gente humilde

Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
Igual a como quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem vindo de trem de algum lugar
E aí me dá uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com que contar
São casas simples, com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda, flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
E eu que não creio peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar.

O mais-que-perfeito

Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum,embora...)
Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!

Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah! quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Pra eu morar-te
Morar-te até morrer-te...

Pensamentos de Vinícius
 
A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.

Qualquer homem pode ter muitas mulheres, mas terá que ser bem homem para ter somente uma.

Amar, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.

Nada mais bonito que os defeitinhos da mulher amada.

Bibliografia

BUENO, Alexei(Org.). Vinícius de Moraes, Poesia Completa e Prosa. Volume Único. Rio de Janeiro,      Editora Nova Aguilar S.A., 1988.
GELHARDT, Dinaê S. O Poder do Amor(Compilação). Blumenau, Editora Eko, 2005.
GLAESER, Célia Flud. Para viver um grande amor(Uma leitura de O Livro de Sonetos, Vinícius de Moraes). São Paulo, Edição Pré-Vestibular Pitágoras, 1992.
GRANDE ENCICLOPÉDIA BARSA. Vol. 10. São Paulo, Barsa Planeta Internacional, 2005.
LITERATURA COMENTADA. Vinícius de Moraes. São Paulo, Editora Abril, 1980.

2013 - Centenário de nascimento do grande poeta Vinícius de Moraes - O Poeta do Amor
 

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