Pensamento do Blog

Comigo a natureza enlouqueceu; sou todo emoção" Adaptado de Maiakoviski

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sintonia Fina - Poesias



Sintonia Fina
POESIAS

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta - sonhou - e amou na vida. 

Álvares de Azevedo

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a  palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convém.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas,autênticas, indevassáveis.

Carlos Drummond de Andrade

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas. 
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem diante das minhas janelas,
e outros, finalmente, que é preciso
aprender a olhar, para vê-las assim.

Cecília Meireles

Quando ela passa 

Quando eu me sento à janela
P'los vidros que a neve embaça
Vejo a doce imagem dela
Quando passa... passa... passa...

Lançou-se a mágoa seu véu -
Menos um ser neste mundo
E mais um anjo no céu.

Quando eu me sento à janela,
P'los vidros que a neve embaça
Julgo ver a imagem dela
Que já não passa... não passa....

Fernando Pessoa

Liberdade ainda que tarde
Ouve-se em redor da mesa
E a bandeira já está viva
E sobe, na noite imensa
E os seus tristes inventores
Já são réus - pois se atreveram
A falar em liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
(....)
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique
E ninguém que não entenda!

Cecília Meireles

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Camões


Ensinamento 

Minha mãe achava estudo
A coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo
É o sentimento.
Aquele dia de noite,
O pai fazendo serão,
Ela falou comigo:
'Coitado, até essa hora
No serviço pesado.'
Arrumou pão e café,
Deixou tacho no fogo
Com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
                                                                                              Adélia Prado

Sete anos de pastor

Jacó servia Labão,
Pai de Raquel, serrana bela,
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la,
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.

Camões


 Eu sei que vou te amar

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tuda há de apagar
O que essa ausência me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda minha vida

Vinícius de Moraes 

Este inferno de amar

Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma ... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quandoi - ai quando se há de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! Desperatar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus,
Que fez ela? Eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Almeida Garret

Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa  

Soneto CXVI

De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça. Amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera
Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante
Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfanje não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma, para a eternidade.
Se isto é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.

Shakespeare

Ternura

Eu te peço perdão 
Por te amar de repente
Embora o meu amor seja
Uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei
À sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca
O perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos
Eternamente fugindo
Trago a doçura dos que
  Aceitam melancolicamente
E posso te dizer que
O grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
Nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
Dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
Um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses
Quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
Encontrem sem fatalidade
O olhar extático da aurora.

Vinícius de Moraes

Lira XXXVII

Meu sonoro passarinho
Se sabes do meu tormento,
E buscas dar-me, cantando,
Um doce contentamento.

Ah! Não cantes, mais não cantes,
Se me queres ser propício,
Eu te dou em que me faças
Muito maior benefício.

Ergue o corpo, os ares rompe,
Procura o Porto da Estrela,
Sobe à serra, e se cansares,
Descansa num tronco dela.

Toma de Minas a estrada,
Na Igreja nova, que fica
Ao direito lado, e segue
Sempre firme à Vila Rica.

Entra nesta grande terra,
Passa uma formosa ponte,
Passa a segunda, a terceira
Tem um palácio defronte.

Ele tem ao pé da porta
Uma rasgada janela,
É da sala, aonde assiste
A minha Marília bela.

Para bem a conheceres,
Eu te dou os sinais todos
Do seu gesto, do seu talhe,
Das suas feições, e modos.

O seu semblante é redondo,
Sobrancelhas arqueadas,
Negros e finos cabelos,
Carnes de neve formadas.

A boca risonha e breve,
Suas faces cor-de-rosa,
Numa palavra, a que vires
Entre todas mais formosa.

Chega então ao seu ouvido,
Dize, que sou quem te mando,
Que vivo nesta masmorra,
Mas sem alívio penando.

Tomás Antônio Gonzaga

Para sempre

Por que Deus permite
Que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
É tempo sem hora,
Luz que não apaga
Quando sopra o vento
E chuva desaba,
Veludo escondido
Na pele enrugada,
Água pura, ar  puro,
Puro pensamento.
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
De tirá-la  um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
Baixaria uma lei:
Mãe não morre nunca,
Mãe ficará sempre
Junto de seu filho
E ele, velho embora,
Será pequenino 
Feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade
,
Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes
  
A D. Bárbara Eliodora

Sua esposa

(Remetida do cárcere na Ilha das Cobras)

Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente,
Triste somente
As horas passo
A suspirar.
                                   Isto é castigo
                                  Que amor me dá. 


Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
                               Isto é castigo
                               Que amor me dá.
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa
Dessa fortuna
Me quer privar.
                              Isto é castigo
                              Que amor me dá.

Tu, entre os braços
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar.
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dois modos
De te amar.
                              Isto é castigo
                              Que amor me dá.

Alvarenga Peixoto

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
Que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
Não cantaremos o ódio porque esse não existe.,
Existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
O medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
O medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
Cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
Depois morreremos de medo
E sobre niossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Carlos Drummond de Andrade  

Via Láctea(Fragmentos)

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Olavo Bilac  

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor(que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes

Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
Não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
Mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
Feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
E por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
Aquilo que foi grande e deslumbrante,
O antigo amor, porém, nunca fenece
E a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
E resplandece no seu canto obscuro,
Tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto -
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... Livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.

Castro Alves


Soneto de Aniversário 

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.


Vinícius de Moraes


A Flor do Maracujá

Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústicas
Da flor do maracujá!

Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá!

Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá!

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová!
Pela lança ensanguentada
Da flor do maracujá!

Por tudo o que o céu revela!
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está!!!...
Guarda contigo este emblema
Da flor de maracujá!

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

Fagundes Varela

A Voz das Coisas


E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:
“Queres tu nos deixar, filho desnaturado?”

E um cedro o escarneceu: “Tu não sabes, perverso,
que foi de um galho meu que fizeram teu berço?”

E a torrente que ia rolar para o abismo:
“Juca, fui quem deu a água do teu batismo.”

Uma estrela, a fulgir, disse da etérea altura:
“Fui eu que iluminei a tua choça escura
no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.
E teu pai te abraçou chorando de contente...
- Será doutor! – a mãe disse, e teu pai, sensato:
- Nosso filho será um caboclo do mato,
Forte como a peroba e livre como o vento! –
Desde então foste nosso e, desde esse momento, nós
Te amamos, seguindo o teu incerto trilho,
Com carinhos de mãe que defende seu filho.!
                               
Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,
Pareciam querer apertá-lo entre os braços:
“Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,
O arco do teu bodoque, as grades da arapuca,
O varejão do barco e essa lenha sequinha
Que de noite estalou no fogo da cozinha?
Depois, homem já feito, a tua mão ansiada
Não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?”
“Não vás – lhe disse o azul. “Os meus astros
                                                                       Ideais
Num forasteiro céu tu nunca os verás mais.
Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas
Hão de relampejar como pontas de espadas.
Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,
Irão te procurar com seus olhos de fogo...
Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas
Correndo atrás de quem anda fugindo delas...”

Juca olhou para a terra e a terra muda e fria
Pela voz do silêncio ela também dizia:
                                
Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo...
Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.
Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
Há uma cova que se abre, há meu ventre que
                                                                        Espera...
 Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,
E nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.

Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,
Buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo?
Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento...
Só por meio da dor se alcança o esquecimento.
Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,
Que, na terra natal, a própria dor dói menos...
E fica, que é melhor morrer(ai,bem sei eu!)
No pedaço de chão em que a gente nasceu!”

Menotti Del Picchia





Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde cata o Sabiá.
                                
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá,
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

                    Gonçalves Dias



O Ramalhete



Eu ando colhendo flores

Para a deusa dos amores,

Que além espera por mim.

Já tenho cravos cheirosos,

Não-me-deixes primorosos

E o branco e puro jasmim.


Tenho violetas dobradas,
Estas cravinas rajadas
E o fragrante mogorim:
Pra ornar o ramalhete,
Tenho da sécia o alfinete
E um galhinho de alecrim.

Só a rosa aqui me falta,
Que só ela não esmalta
Este tão lindo jardim!
Mas também para que rosas!
Se as tem nas faces mimosas
E em seus lábios de cetim!

Gonçalves de Magalhães


O Fumo



Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

                          Florbela Espanca



Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho