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Comigo a natureza enlouqueceu; sou todo emoção" Adaptado de Maiakoviski

domingo, 4 de setembro de 2022

Resenha do Livro As Pererecas e as Velhinhas e Outros Causos - Crônicas de Nena de Castro

 

Livro As Pererecas e as Velhinhas e Outros Causos

Nena de Castro


Ler livro de amigo(a) é coisa primeira... Deixamos Dom Quixote viajar em suas imaginações, e entramos com tudo na leitura. E por falar em Dom Quixote, depois de ter lido o livro que adorei, ainda tive o prazer de assistir a peça no Shopping do Vale com a amiga escritora, Nena de Castro. Jamais vou me esquecer os momentos que convivemos no trabalho como professores/educadores da rede municipal de ensino de Ipatinga. A cidade de Ipatinga é seu lar em todos os sentidos, apesar de ter nascido em Governador Valadares. Suas crônicas e causos sempre possuem ingredientes e personagens do Pouso de Água Limpa e de Minas Gerais. "É mineira da gema", afirma. Não esquece os bairros de Ipatinga, sua zona rural como o Ipaneminha e seu tradicional Congado, a política e suas artimanhas, os(as) professores(as) e seus sofrimentos, como a dívida de governos passados com a classe dos aposentados - os já famosos atrasados.

O novo livro de Nena de Castro é cativante, mesmo sendo sua primeira inserção em literatura para adultos, fora suas contribuições nos jornais da região. Sua literatura infantojuvenil é premiadíssima. Mas este livro parte de sua obra em crônicas nos jornais em que trabalhou com sucesso, fator que lhe dá mais que credibilidade para escrever a presente obra. É cronista e poeta por natureza, professora por vocação, e advogada não sei. Mas sei que como professora de Português na mesma escola em que trabalhamos, e na Biblioteca Pública de Ipatinga, sempre me admirou seu trabalho criativo e dinâmico, e sempre voltado para o processo ensino-aprendizagem utilizando a arte como instrumento essencial em sua prática, especialmente as produções literárias e teatrais.

É natural a utilização de um vocabulário rural, tipo Guimarães Rosa... acho até que tem dificuldades em ficar livre dele, pois mesmo quando uma crônica é mais dentro do Português Formal, ela arranja um jeito de colocar o Rosa dentro, mesmo que em pequenas citações ou diálogos. Não deixa de educar, e numa educação ampla, quando faz algumas críticas na área histórica e política, citando causos de períodos históricos conhecidos como o Regime Militar (1964-1985), e até sua participação nos eventos. Faz duras críticas à corrupção na classe política, e cita fatos da política recente no país, que nos deixou sem muitas esperanças nas mudanças pelas quais sonhamos e lutamos. Até pela Mitologia greco-romana ela viaja em suas aventuras imaginárias de mitos, deuses, deusas... e Brad Pitt.

Nena tem uma capacidade enorme de resolver mistérios como na crônica O Fim do Mundo. Fiquei intrigado com a solução que apresentou para explicar a chuva de sangue... li depressa pra saber como estava chovendo sangue. E aí ela entra numa questão social que é a dos matadouros clandestinos. Achei que foi muito criativa e de presença de espírito incomum. E sobre o Dia da Mentira, achei que o mentiroso ia parar de mentir no final, mas era muito previsível mesmo. E faz uma relação com a chamada "Revolução Militar" em 31/03/1º de abril. A Horta não tinha outra solução - abandonar o projeto. Lembrei de um fato ocorrido comigo: não tinha carro e chequei em casa de táxi, aí um vizinho falou comigo: "E o nosso?". Em A Bugra Vê a História faz uma viagem entre os árabes e seus mistérios, as grandes navegações, A Primeira Guerra Mundial, e até a crise do petróleo de 1973. No mesmo texto faz questionamentos sobre o terrorismo no mundo, envolvendo o Oriente Médio e o Mundo Ocidental. E em outras crônicas não deixa a política e as questões sociais de lado, mas mantém sempre o otimismo de uma vida melhor e um mundo mais justo, mesmo diante do caos, que muitas vezes vivemos ao longo da história.

Cria, a autora, personagens fictícios que permeiam quase todas as crônicas... até na praia de Prado, na Bahia. Por coincidência moramos perto de Prado no extremo sul da Bahia, há cinco anos. Os bem-te-vis de Prado devem ser os mesmos que tomam conta de Nova Viçosa, ou parentes, pois aqui são os donos da passarada. Inclusive tem até bem-te-vi mineiro, e não é à toa, pois Nova Viçosa é chamada de Praia dos Mineiros; chamo assim porque canta faltando uma sílaba, como o nosso sotaque ao "comer" parte das palavras nas longas conversas mineiras. O bem-te-vi canta assim: te-vi. E eu respondo: eu também.

Nena fala da Biblioteca  Zumbi dos Palmares, e de seu cuidado com o acervo historiográfico da cidade de Ipatinga, local onde passamos bons momentos de trabalho e cultura. De Dona Lilá, que também conheci na Superintendência de Ensino em reuniões, depois no "fechamento" da Escola Presidente Vargas e Padre Cícero, em 1985, e em Nova Viçosa, pois passa os finais de ano na Pousada Kambucá de nossa amiga professora aposentada, Cacau. Sempre alegre e bem disposta apesar da idade avançada. A família dela possui uma casa na Praia do Lugar Comum, aqui em Nova Viçosa, perto de nossa casa. Outra pessoa de minhas relações que está nas crônicas, é o historiador José Augusto, profundo pesquisador da história de Ipatinga. Nena consegue reunir pessoas conhecidas aos seus relatos de causos, crônicas e poesias, mantendo a identidade de cada um nos fatos narrados. José Augusto é a melhor fonte para a pesquisa sobre a história de Ipatinga, inclusive de seu folclore, como relata a autora.

O seu cotidiano é presença marcante em suas crônicas, incluindo nele pessoas conhecidas, desconhecidas e fictícias. Sua alegria numa simples manhã de fim de semana. Uma caminhada pelas ruas da cidade, e principalmente de seu bairro, mas não nega sua pouca disposição e regularidade para estas atividades. Conta seus passeios na praia, nas proximidades de Ipatinga, enfim seu dia a dia é objeto de suas escritas, daí a crônica, sem deixar a poesia ausente, pois é conduzida com leveza pela poesia e sensibilidade em seus relatos.

Seu vocabulário rural é uma raridade, quase precisando de um dicionário do gênero. Não sabia que a autora ficou tão "colada" nesse ambiente, mesmo morando por tantos anos na metrópole do Vale do Aço. Quando fala que o poeta conversava com as estrelas, eu também converso com as plantas, afinal, hoje, no tempo das redes sociais, e da exacerbação do individualismo na sociedade, conversar com pessoas ficou quase impossível. Vivemos um fanatismo ideológico pior que na Idade Média. As receitas naturais caseiras são de tirar qualquer médico do Hospital Márcio Cunha do sério... Quase tive dó dos políticos. "E nada mais digo.".

A autora escreve de forma leve e agradável, escolhendo temas interessantes e e curiosos com uma pitada de humor, afinal é ótima cozinheira no fogão e na literatura, portanto é um excelente livro para se adquirir o hábito de leitura, e para o sexto leitor como eu. A bênção de seu pai deixando como herança sua capacidade e tenacidade para a escrita e leitura ajudou a manter sempre viva nossa arte literária a serviço de nosso povo... maldição? Nunca! É dom de Deus! 

Não deixe de ler este livro para te tirar da solidão! Ele é uma multidão e de uma autora múltipla. Foi um prazer e uma alegria fazer essa simples resenha de minha amiga histórica, Nena de Castro. HU HU HU! É assim?




Nena de Castro - artista e militante